Carga mental feminina: Conheça o trabalho invisível das mulheres
setembro 22, 2021

Carga mental feminina: Conheça o trabalho invisível das mulheres

por Equipe Linus

carga-mental-feminina

Nos últimos tempos, as discussões sobre a carga mental, e principalmente em como ela afeta a vida das mulheres, se tornaram cada vez mais frequentes.

Questionamentos de movimentos feministas, matérias na imprensa sobre a situação das famílias e do papel das mulheres, além de todos os problemas que a pandemia de covid-19 trouxe, fizeram com que o debate ficasse aberto.

Afinal, como a carga mental pressiona a vida das mulheres? E isso é exclusividade delas? Se não é, por que as mulheres sofrem mais?

Então, vamos discutir o que é carga mental e como ela afeta a vida de muitas de nós. Vamos lá?

O que significa carga mental?

A carga mental pode ser definida como a quantidade de esforço não físico e deliberado que deve ser realizado para alcançar um resultado concreto.

Parece uma definição técnica simples, mas reflete um problema muito sério. Afinal, para que as coisas fiquem em ordem em uma casa, por exemplo, quanto do esforço na verdade não é físico, mas sim mental?

Gerir os suprimentos da casa, limpar, organizar, cuidar de crianças, educá-las, acompanhar nas atividades escolares em tempos de pandemia. Tudo isso, muito além do esforço físico, tem a ver com uma dedicação mental muito grande.

Qual é a origem do termo?

O termo carga mental tem origem no conceito de Emotional Labor, criado em 1963, sem distinção de gênero. Isto é, ele tratava originalmente da pressão mental do trabalho para homens e mulheres.

A partir dos anos 2000, o termo passou a ser usado para alcançar demandas feministas e também deixou de ser exclusividade do meio acadêmico. Quando a carga mental chegou às redes sociais, se expandiu ainda mais, e passou a gerar muitas controvérsias e erros de interpretação.

Porém, uma coisa é certa. A carga mental passou a ser vista e percebida, para dar conta de representar as mulheres que sempre sofreram com o enorme peso das suas atividades, o que raramente é visto e reconhecido.

E a carga mental feminina, o que é?

A carga mental feminina é a que mais se apresenta na discussão sobre o tema. Afinal, ela é silenciosa, e isso faz com que ela seja duplamente pesada. A sociedade não a reconhece porque não valoriza e nem remunera o trabalho doméstico, apesar de ser um pilar fundamental da economia.

Historicamente, e devido à estrutura patriarcal da nossa sociedade, a administração da casa foi entendida como algo ligado ao universo feminino, que elas fazem quase que por instinto. E é claro que isso é uma construção social. Não há elementos biológicos que digam que as mulheres são mais capazes ou devem ser responsáveis por uma atividade ou outra.

Mesmo que alguns movimentos tenham acontecido e muitos homens já aceitem algumas tarefas domésticas, em geral isso é visto como “ajuda”, sem que a responsabilidade seja deles. Isso faz com que, mesmo que haja divisão do trabalho e do esforço físico, a carga mental, resultante da responsabilidade, continue sendo das mulheres.

E no ambiente em que você vive? Já pensou como tem sido a divisão e a responsabilidade sobre o trabalho doméstico na sua casa?

Carga mental e sofrimento psíquico

É claro que a carga mental traz como resultado principal o sofrimento psíquico. Desde a definição da década de 1960, relacionada ao mundo do trabalho, há uma relação direta entre essas duas coisas. Muitos desses aspectos estão presentes nas primeiras discussões sobre a ergonomia e o tempo dedicado ao trabalho com a chegada das novas tecnologias.

No clássico livro sobre A Inteligência do Trabalho, de Alain Wisner, há um capítulo específico sobre o tema, que você pode ver aqui.

Mas com a aproximação do termo com as questões femininas e o trabalho de casa, as interações com os problemas psiquiátricos se mostraram ainda mais presentes, já que atingem uma grande parte das mulheres, em todos os lugares do mundo.

E isso não é novidade. Apenas tem sido discutido devido aos movimentos feministas e aos estudos nas universidades. Este artigo, desenvolvido por um grupo de pesquisadoras de uma universidade na Romênia, mostra como a carga mental resulta não somente em questões psiquiátricas, como o stress, mas também no aumento de problemas físicos, como o câncer de mama.

carga-mental-feminina

Carga mental feminina x carga mental masculina

É claro que homens também podem ter carga mental, mas isso é exceção se comparado ao universo feminino. No mundo em que vivemos, e no nosso país principalmente, a estrutura patriarcal fez com que os homens tivessem de forma muito mais definida quais seriam suas atividades, de provedor e trabalhador externo, deixando para as mulheres o papel de organizadoras da casa e do bem-estar da família.

Ocorre que, apesar dos homens terem horário para entrar e sair do trabalho, e atividades muito claramente definidas, as mulheres têm atividades sem carga horária definida, com a “obrigação” de dar conta das necessidades e exigências dos membros da família.

Isso torna impossível dar conta de todas as exigências e expectativas, o que torna a vida delas extremamente desgastante.

Como a carga mental feminina afeta a vida das mulheres?

A vida das mulheres, como já vimos, tem diversos problemas ligados à carga mental, desde problemas psíquicos até físicos.

E isso é construído socialmente desde a infância, com as meninas sendo estimuladas a terem papéis, nas brincadeiras, de cuidadoras do lar e das crianças, com bonecas e equipamentos de cozinha, enquanto aos meninos são dados brinquedos ligados a profissões e ao trabalho fora de casa.

Durante toda a vida, essa cobrança continua, fazendo com que meninas adolescentes sejam mais responsabilizadas pela estrutura familiar quanto ao cuidado com a casa, aos trabalhos domésticos, enquanto os jovens meninos não têm essas responsabilidades, com a desculpa de que “meninos são bagunceiros mesmo”.

A reprodução de estruturas familiares faz com que a quebra dessa “tradição” seja muito difícil, o que sempre leva as mulheres que questionam isso a conviverem com um sentimento de culpa.

carga-mental-feminina

Dupla jornada: o trabalho invisível das mulheres

O resultado é que as mulheres têm, em diversos momentos, duplas jornadas de trabalho. Isso quando não podemos considerar que elas têm, na verdade, tripla jornada: o trabalho, a casa e a maternidade.

Carga mental no trabalho

Mesmo no trabalho fora de casa, as mulheres são em geral ligadas a comportamentos como organização, cuidado e subserviência, o que resulta em frustrações e a impossibilidade de que elas possam atuar da melhor forma, nas suas carreiras e na atividade nas empresas.

Carga mental doméstica

Como já dissemos, mesmo quando há divisão do trabalho físico doméstico (o que é raro), elas ficam com a responsabilidade sobre a organização, com a “obrigação” de definir quem vai fazer o que na casa e de solicitar que os trabalhos sejam feitos. É interessante analisar que a liderança que é negada às mulheres em ambientes profissionais, passa a ser obrigatória em ambientes domésticos.

Carga mental materna

No cuidado com as crianças, em geral as mulheres são as responsáveis pela organização das tarefas, quando não são obrigadas a desenvolverem sozinhas todas as atividades. Aos pais, em geral, resta o papel de “ajudar”, o que faz com que haja uma reprodução constante desse cenário. As mulheres também são as únicas responsabilizadas e julgadas pelos comportamentos dos filhos, o que faz com que os pais se isentem de agir efetivamente na educação das crianças.

Trabalho de cuidado

O fato é que as mulheres acabam sendo responsáveis por aquilo que se considera Economia do Cuidado, ou seja, um setor econômico voltado para o cuidado com crianças, doentes e idosos, que em geral não é remunerado ou, quando é, os pagamentos são irrisórios. Isso resulta em um grande problema de desigualdade econômica, de acordo com um estudo da ONG britânica Oxfam.

Por isso, muitos países têm discutido e implementado políticas públicas de profissionalização e valorização do trabalho de cuidado.

É possível testar a carga mental?

Para você saber como tem sido o seu ambiente, o Buzzfeed desenvolveu uma forma de verificar como a carga mental pode atingir a sua vida. Faça o teste, mas lembre-se de que ele apenas demonstra indícios de como você está. Para um auxílio de verdade, é essencial procurar serviços médicos e psicológicos.

Características comuns da carga mental

Quando a carga mental se torna um problema para a sua vida, alguns fatores são aparentes, e precisam ser observados para que você possa ter o cuidado devido. Vamos a alguns deles.

Ansiedade e estresse

Sabe aquela sensação de não achar que tudo vai dar errado, que as piores coisas vão acontecer? Essas são formas de entender que a ansiedade está chegando. Ela, juntamente com o estresse, a sensação de que há muita coisa acontecendo e você não tem controle de nada, pode ser um indício para que você procure ajuda especializada de um médico psiquiatra ou psicólogo.

Irritabilidade

A irritabilidade, que às vezes nem é notada pela gente, mas apontada por quem está perto, também é outro fator de que a carga mental está ficando insuportável.

carga-mental-feminina

Problemas de memória

Tudo isso também pode levar a problemas de memória, com perdas momentâneas tanto da recente como da de longo prazo. É fundamental ficar atenta ao que está acontecendo, para que os danos não sejam tão grandes.

Insônia

Dificuldade de dormir é outra informação importante para você observar. Além disso, aqueles dias em que você acorda no meio da noite e não consegue mais dormir. Quanto mais vezes isso acontece, mais a sua carga mental pode estar sendo insuportável.

Em qualquer dessas situações, é fundamental entender que não é possível dar conta sozinha. A coisa mais importante é procurar ajuda.

O trabalho invisível das mulheres no Brasil

Embora isso esteja presente em todo o mundo, a situação no Brasil é ainda mais grave. As mulheres, na nossa sociedade, que se desenvolveu desde a Colônia com uma estrutura patriarcal e machista, sempre estiveram na base da nossa pirâmide social.

E isso ocorre inclusive com as mulheres das classes sociais mais altas, a quem foi imposto um papel de cuidadora do lar e de acompanhante dos homens, que podem atuar livremente no mundo econômico e do trabalho.

Quantas vezes você não ouviu a frase: “atrás de um grande homem sempre tem uma grande mulher?” Embora pareça uma valorização ao papel da mulher, na verdade ela esconde um problema muito sério, que é a desvalorização feminina na nossa sociedade.

O resultado disso está em toda a parte, com mulheres que têm muito mais trabalho que os homens (jornada dupla ou tripla) e, quando conseguem ir para o mercado de trabalho, têm salários menores e pouco reconhecimento.

A carga mental e outras desigualdades invisíveis

Como podemos verificar em tantas informações, a carga mental é somente um dos fatores que atingem as mulheres, com duplas ou triplas jornadas, e com cobranças que acabam fazendo com que elas se sintam, muitas vezes, “em dívida” com a família e com os filhos.

Porém, ela é reflexo de inúmeras outras desigualdades, principalmente aquelas que não permitem que as mulheres, nas sociedades patriarcais e machistas, sejam donas das suas próprias decisões.

Mesmo indiretamente, muitas mulheres ainda se veem com pressões na hora da escolha de uma carreira, do momento de formar uma família e mesmo na escolha do parceiro na hora do casamento.

É claro que isso reflete no desenvolvimento da vida das mulheres, em diversas situações sociais, mesmo entre aquelas que conseguem ter acesso à educação.

Carga mental feminina e a maternidade

É importante voltar a uma questão específica mais detalhadamente. Afinal, quando falamos da carga mental feminina, a maternidade é um aspecto fundamental. Pelo fato também de termos uma referência de paternidade distante, característica também do patriarcado da nossa sociedade, muita gente ainda acha que é responsabilidade materna somente o cuidado das crianças.

Isso está presente, como já dissemos, inclusive nos momentos em que se fala que o pai “ajuda”. Se ajuda, é porque não é responsabilidade dele. Então, é necessário haver inclusive uma mudança no vocabulário. Pais devem ter responsabilidades no cuidado com as crianças, desde bebês.

Para isso, ações individuais são importantes, mas, mais do que isso, é fundamental o desenvolvimento de políticas públicas, no âmbito federal, mas também em cada município, para que essa discussão ocorra em ambientes em que os homens estão.

Outras estruturas sociais, como igrejas, clubes, sindicatos e partidos políticos, também podem (e devem) desenvolver discussões para que os homens entendam que o cuidado com as crianças é uma responsabilidade que deve ser dividida.

Dia Internacional da Igualdade da Mulher e algo mudou?

O dia 26 de agosto, considerado o Dia Internacional da Igualdade da Mulher, foi instituído como uma data para lembrar e questionar. Lembrar a luta de tantas mulheres que vieram antes de nós e lutaram por essa igualdade. E questionar o poder público, as pessoas que desenvolvem as ações políticas, para cada vez mais incluir no debate e na prática a participação das mulheres em diversos ambientes, principalmente os de decisão, desenvolvendo também a ideia de que as atividades devem ser divididas entre homens e mulheres, em casa e fora dela.

Argentina reconhece o cuidado materno como trabalho

Em uma decisão muito importante para a luta das mulheres, a Argentina reconheceu, através de um decreto, que o cuidado materno pode ser somado ao tempo de trabalho no cálculo da aposentadoria.

Afinal, segundo os defensores da decisão, é uma forma de reconhecer que o Estado falhou em algum momento, impedindo principalmente que as mulheres estivessem no mercado de trabalho. Por isso, nada mais justo do que toda a sociedade participar de uma compensação, já que é ela que criou essa estrutura patriarcal.

Carga mental e pandemia: O impacto na saúde mental das mulheres

A pandemia da covid-19 deixou ainda mais claro o papel das mulheres como organizadoras do ambiente doméstico, mesmo quando elas estão no mercado de trabalho.

Como grande parte das famílias passaram a trabalhar em casa, ficou claro (e visível nas telas do Zoom e do Meet) que as crianças, por exemplo, estavam muito mais presentes no dia a dia das mães do que dos pais.

carga-mental-feminina

4 dicas para prevenir a carga mental feminina

É claro que, para que haja uma possibilidade de que a carga mental seja prevenida, é necessário a participação de todos, homens, mulheres, crianças, na negociação para que a casa seja um ambiente de interação e de responsabilidade de todos. Por isso, algumas dicas são fundamentais:

1. Dividir as tarefas de casa

Dividir as tarefas da casa tem a ver com o esforço físico de realizá-las, mas também com a responsabilidade sobre elas.

Em geral, o papel da gestora da casa, que como sabemos é historicamente ligado ao mundo feminino, precisa ser dividido. Homens precisam assumir esse papel, e mulheres, por mais que tenham uma dificuldade devido ao ambiente cultural, devem deixá-los assumir.

2. Praticar a paternidade ativa

É fundamental que a observação sobre a carga mental feminina seja feita também pelos homens, que devem incluir na vida o papel de pais ativos. Se você ainda não sabe o que é paternidade ativa, este artigo pode ajudar tanto a assumir o seu papel quanto a influenciar os pais a fazer isso.

3. Praticar o autocuidado

Sim, o autocuidado é fundamental para que você se enxergue como uma prioridade, além de tudo o que a carga mental feminina representa. Afinal, se não houver um tempo definido para que você se observe, se cuide, se ame, não tem como se livrar do stress do dia a dia.

Se for necessário, o tempo do autocuidado deve estar na agenda, para que você cumpra esse momento sem ser incomodada. Pode ser que a culpa e a preocupação façam parte dos primeiros momentos que você dedicar somente para você, mas insista e deixe claro para o parceiro ou para a parceira: este tempo é só seu.

4. Ter acordos e comunicação aberta com os parceires

Não adianta achar que as pessoas vão mudar os comportamentos só porque você deu uma “indireta”, um “toque”, uma “ideia”. Acordos entre parceiros e parceiras, não importa o gênero, devem ser conversados, colocados em pratos limpos, de forma respeitosa.

Se você acha que o seu parceiro ou a sua parceira não quer ouvir, atue com clareza. Vocês precisam conversar sobre as tarefas domésticas. Mas não só. Vocês precisam conversar sobre a responsabilidade sobre as tarefas. Porque é claro que não adianta só fazer quando “alguém manda”. Tem que tomar a atitude de fazer e de se responsabilizar.

Indicações legais para aprender mais!

Quer saber mais sobre o tema? Veja algumas dicas:

Tirinhas sobre carga mental feminina: Era só pedir

As tirinhas, desenvolvidas pela artista francesa Emma, satirizam a ideia de que os homens não fazem as atividades domésticas porque as mulheres “não pedem”, o que demonstra que a pressão sobre a organização das atividades recaem sobre elas. Veja na versão traduzida para português no Facebook da Bandeira Negra.

Esquizofrenoias

Para ficar por dentro da saúde mental e do universo feminino, inclusive da carga mental, acompanhe o podcast Esquizofrenoias, que tem vários episódios que falam direta ou indiretamente sobre o tema.

Bom dia, Obvious

Outro podcast essencial para discutir o mundo feminino e a saúde mental é o Bom dia, Obvious. Ele traz inúmeros temas importantes para encarar o mundo do trabalho, a maternidade e também a pandemia.

E você? Como interage com a carga mental?

Agora, que você sabe muito mais sobre como a carga mental interage com o universo feminino, o que você pode falar de como vive?

Como estão divididas as tarefas e principalmente as responsabilidades na sua casa? As pessoas conversam sobre o tema? Ou simplesmente dão “toques” e “indiretas” uns aos outros?

Como ficou claro aqui, é fundamental conversar, para que todos possam ter a tranquilidade de dizer o que pensam, sem medo da reação ou da “chateação” de parceiros ou parceiras.

carga mental feminina saúde mental trabalho invisível